Sustentabilidade e o Sagrado
Encontrei este texto escrito pela Sara, uma activista de amor:
"Apesar do que se segue ser de outro autor, para introduzir um artigo sobre sustentabilidade e o sagrado, começo por citar o ambientalista canadiense David Suzuki:
A maneira como vemos o mundo molda a nossa forma de tratá-lo. Se a montanha é uma divindade, e não uma pilha de minério, se um rio é uma das veias da terra, em vez de água para irrigação, se a floresta é um bosque sagrado, e não apenas madeira, se as outras espécies são parentes biológicos em vez de recursos, ou se o planeta é a nossa mãe, e não uma oportunidade – então vamos tratar uns aos outros com o maior respeito. Assim é o desafio, olhar o mundo de uma perspectiva diferente.
Sinto que poderia ter sido eu a escrever o artigo que poderão ler abaixo, na linha da minha investigação DIY, reflexão sobre ecologia sagrada e vivências que tenho vindo a experienciar nos últimos anos, parte de algo que sempre senti como ética de vida, e a que Llewellyn Vaughan-Lee, um dos presentes autores sobre aquilo a que se começa a delinear como Spiritual Ecology, e autor do artigo abaixo, um paradigma filosófico e abordagem de ver e viver a/na Terra – motivo pelo qual o traduzi livremente o texto abaixo – para que neste cantinho à beira mar plantado, se questione e reflicta mais sobre a tão já abusada palavra “sustentabilidade” e a nossa relação com a Terra <3
(O artigo que se segue foi escrito por Llewellyn Vaughan-Lee em inglês. Tradução livre de Sara Baga)
Sustentabilidade e o Sagrado
Algo essencial a ser relembrado
Secas recentes, furacões e inundações tornaram-nos cada vez mais conscientes da realidade das alterações climáticas e do efeito ambiental desastroso da nossa civilização materialista industrializada. Enquanto o nosso mundo se coloca em bicos de pés à beira do colapso ecológico – o “ponto de inflexão” da mudança climática irreversível – a sustentabilidade tornou-se uma questão vital. Mas, antes de conseguirmos responder precisamos de reconhecer que Terra afinal é que estamos a tentar ajudar, e que ecossistema é que estamos a trabalhar para sustentar.
Será que sustentabilidade se refere a “crescimento económico sustentado”, e a um ambiente que seja capaz de sustentar a nossa actual civilização humana, com as suas necessidades impulsionadas pelo consumo, pelo uso intensivo de energia, e uma imagem de progresso económico? Ou será que a sustentabilidade se refere ao todo do ecossistema, a uma rede interconectada de vida com a sua vasta e incrível diversidade de espécies? Que mundo é que estamos a tentar sustentar: um recurso para satisfazer os nossos desejos de prosperidade material, ou uma Terra de encantamento, beleza e significado sagrado? Para citar Thomas Berry:
Existe agora uma única questão diante de nós: a sobrevivência. Não apenas a sobrevivência física, mas a sobrevivência num mundo de realização plena, a sobrevivência num mundo vivo, onde as violetas desabrocham na primavera, onde as estrelas brilham com todo o seu mistério, a sobrevivência em um mundo de significado.
Se quisermos sustentar esse mundo de encantamento, o que é essencial na nossa resposta não é apenas acção, mas uma mudança na consciência, uma mudança que vá além de vermos a Terra como algo separado de nós mesmos, como um recurso a ser usado e abusado. A sustentabilidade real não é a sustentabilidade do nosso estilo de vida actual – a nossa imagem de progresso e crescimento económico -, mas a sustentabilidade de uma Terra sagrada, rica em biodiversidade e encamentamento.
Para transformar a nossa actual situação mundial precisamos de ir à raiz da atitude de consciência que a criou. Caso contrário, corremos o risco de tentar resolver o problema com o mesmo condicionamento, o mesmo processo de pensamento, que o criou. É essencial neste momento crítico que nós compreendamos as origens da nossa mentalidade actual, que vê a Terra como um recurso, o “ambiente” como algo separado de nós mesmos. Alguns dizem que esta atitude está enraizada na Idade das Luzes e de uma consciência Newtoniana, que vê a Terra como um mecanismo insensível separado de nós e que podemos controlar e dominar. E, certamente, as ferramentas da ciência e tecnologia em desenvolvimento parecem ter-nos dado essa capacidade. Mas, para entender melhor esse sentimento de separação é necessário ir mais fundo, de volta à nossa consciência ocidental, à época em que o cristianismo primitivo perseguiu os pagãos e as religiões baseadas na Terra, cortou os seus bosques sagrados, e em que, lentamente, começou o processo pelo qual a Terra deixou de ser considerada sagrada, de uma forma impensável para uma pessoa indígena. Nós somos os herdeiros dessa cultura que baniu a relação com o sagrado da Terra.
Grande parte da nossa civilização ocidental já esqueceu a natureza sagrada da Terra, e não temos conhecimento de como este esquecimento afecta fundamentalmente nossa relação com o meio ambiente. Se a Terra é apenas um recurso, então não há verdadeira responsabilidade. Podemos usar e abusar dela, como estamos a fazer no presente. Se ela é sagrada, então como podemos justificar a nossa atitude actual em relação ao ambiente, os nossos actos de ecocídio?
Por esta razão, há uma necessidade premente de recuperar esta relação primordial para a vida e toda a criação. Se estamos aqui para sustentar a Terra viva e sagrada que nutre as nossas almas, tal como nossos corpos, precisamos de nos reconectar com este antigo conhecimento. Não é algo de novo para ser aprendido, mas algo essencial a ser lembrado, algo que sempre nos pertenceu, apenas esquecido ou censurado pela cultura actual.
O “sagrado” não é algo essencialmente religioso. Pertence à natureza primária de tudo que existe. Quando os nossos antepassados sabiam que tudo o que podia ver era sagrado, isso não era algo que ensinava, mas algo instintivamente conhecido. Era tão natural como a luz do sol, tão necessário quanto respirar. Se nós abraçarmos o sagrado dentro de toda a vida, veremos que a vida vai-nos falar como falou aos nossos antepassados. Um véu será levantado e este conhecimento inato estará presente novamente. Esta é a antiga sabedoria da própria Terra, a Terra que evoluiu e mudou ao longo de milénios, cuja sabedoria precisamos desesperadamente no tempo presente, se quisermos evitar um ainda maior desastre ecológico. Novamente citando Thomas Berry:
Não precisamos de uma resposta humana a um problema da Terra, mas uma resposta da Terra a um problema de Terra. A Terra vai resolver os seus problemas e, possivelmente os nossos, se deixarmos a Terra funcionar nos seus próprios modos e caminhos de funcionamento. Precisamos apenas de ouvir o que a terra nos está a dizer.
Nós ainda carregamos esta relação primal com a Terra dentro da nossa consciência, mesmo que a tenhamos esquecido há muito tempo. É um reconhecimento primal da maravilha, da beleza e da natureza divina da Terra. É uma reverência sentida por tudo o que existe. Uma vez que trouxermos essa qualidade fundamental para a nossa consciência, seremos capazes de responder à nossa presente crise criada pela humanidade a partir de um lugar de equilíbrio, em que nossas acções serão baseadas numa atitude de respeito para com toda a vida. Esta é a natureza da sustentabilidade real.
* O artigo foi originalmente publicado no Huffington Post, 22 de abril de 2013. Podem também encontrá-lo aqui em inglês"
retirado de heart wide earth
"Apesar do que se segue ser de outro autor, para introduzir um artigo sobre sustentabilidade e o sagrado, começo por citar o ambientalista canadiense David Suzuki:
A maneira como vemos o mundo molda a nossa forma de tratá-lo. Se a montanha é uma divindade, e não uma pilha de minério, se um rio é uma das veias da terra, em vez de água para irrigação, se a floresta é um bosque sagrado, e não apenas madeira, se as outras espécies são parentes biológicos em vez de recursos, ou se o planeta é a nossa mãe, e não uma oportunidade – então vamos tratar uns aos outros com o maior respeito. Assim é o desafio, olhar o mundo de uma perspectiva diferente.
Sinto que poderia ter sido eu a escrever o artigo que poderão ler abaixo, na linha da minha investigação DIY, reflexão sobre ecologia sagrada e vivências que tenho vindo a experienciar nos últimos anos, parte de algo que sempre senti como ética de vida, e a que Llewellyn Vaughan-Lee, um dos presentes autores sobre aquilo a que se começa a delinear como Spiritual Ecology, e autor do artigo abaixo, um paradigma filosófico e abordagem de ver e viver a/na Terra – motivo pelo qual o traduzi livremente o texto abaixo – para que neste cantinho à beira mar plantado, se questione e reflicta mais sobre a tão já abusada palavra “sustentabilidade” e a nossa relação com a Terra <3
(O artigo que se segue foi escrito por Llewellyn Vaughan-Lee em inglês. Tradução livre de Sara Baga)
Sustentabilidade e o Sagrado
Algo essencial a ser relembrado
Secas recentes, furacões e inundações tornaram-nos cada vez mais conscientes da realidade das alterações climáticas e do efeito ambiental desastroso da nossa civilização materialista industrializada. Enquanto o nosso mundo se coloca em bicos de pés à beira do colapso ecológico – o “ponto de inflexão” da mudança climática irreversível – a sustentabilidade tornou-se uma questão vital. Mas, antes de conseguirmos responder precisamos de reconhecer que Terra afinal é que estamos a tentar ajudar, e que ecossistema é que estamos a trabalhar para sustentar.
Será que sustentabilidade se refere a “crescimento económico sustentado”, e a um ambiente que seja capaz de sustentar a nossa actual civilização humana, com as suas necessidades impulsionadas pelo consumo, pelo uso intensivo de energia, e uma imagem de progresso económico? Ou será que a sustentabilidade se refere ao todo do ecossistema, a uma rede interconectada de vida com a sua vasta e incrível diversidade de espécies? Que mundo é que estamos a tentar sustentar: um recurso para satisfazer os nossos desejos de prosperidade material, ou uma Terra de encantamento, beleza e significado sagrado? Para citar Thomas Berry:
Existe agora uma única questão diante de nós: a sobrevivência. Não apenas a sobrevivência física, mas a sobrevivência num mundo de realização plena, a sobrevivência num mundo vivo, onde as violetas desabrocham na primavera, onde as estrelas brilham com todo o seu mistério, a sobrevivência em um mundo de significado.
Se quisermos sustentar esse mundo de encantamento, o que é essencial na nossa resposta não é apenas acção, mas uma mudança na consciência, uma mudança que vá além de vermos a Terra como algo separado de nós mesmos, como um recurso a ser usado e abusado. A sustentabilidade real não é a sustentabilidade do nosso estilo de vida actual – a nossa imagem de progresso e crescimento económico -, mas a sustentabilidade de uma Terra sagrada, rica em biodiversidade e encamentamento.
Para transformar a nossa actual situação mundial precisamos de ir à raiz da atitude de consciência que a criou. Caso contrário, corremos o risco de tentar resolver o problema com o mesmo condicionamento, o mesmo processo de pensamento, que o criou. É essencial neste momento crítico que nós compreendamos as origens da nossa mentalidade actual, que vê a Terra como um recurso, o “ambiente” como algo separado de nós mesmos. Alguns dizem que esta atitude está enraizada na Idade das Luzes e de uma consciência Newtoniana, que vê a Terra como um mecanismo insensível separado de nós e que podemos controlar e dominar. E, certamente, as ferramentas da ciência e tecnologia em desenvolvimento parecem ter-nos dado essa capacidade. Mas, para entender melhor esse sentimento de separação é necessário ir mais fundo, de volta à nossa consciência ocidental, à época em que o cristianismo primitivo perseguiu os pagãos e as religiões baseadas na Terra, cortou os seus bosques sagrados, e em que, lentamente, começou o processo pelo qual a Terra deixou de ser considerada sagrada, de uma forma impensável para uma pessoa indígena. Nós somos os herdeiros dessa cultura que baniu a relação com o sagrado da Terra.
Grande parte da nossa civilização ocidental já esqueceu a natureza sagrada da Terra, e não temos conhecimento de como este esquecimento afecta fundamentalmente nossa relação com o meio ambiente. Se a Terra é apenas um recurso, então não há verdadeira responsabilidade. Podemos usar e abusar dela, como estamos a fazer no presente. Se ela é sagrada, então como podemos justificar a nossa atitude actual em relação ao ambiente, os nossos actos de ecocídio?
Por esta razão, há uma necessidade premente de recuperar esta relação primordial para a vida e toda a criação. Se estamos aqui para sustentar a Terra viva e sagrada que nutre as nossas almas, tal como nossos corpos, precisamos de nos reconectar com este antigo conhecimento. Não é algo de novo para ser aprendido, mas algo essencial a ser lembrado, algo que sempre nos pertenceu, apenas esquecido ou censurado pela cultura actual.
O “sagrado” não é algo essencialmente religioso. Pertence à natureza primária de tudo que existe. Quando os nossos antepassados sabiam que tudo o que podia ver era sagrado, isso não era algo que ensinava, mas algo instintivamente conhecido. Era tão natural como a luz do sol, tão necessário quanto respirar. Se nós abraçarmos o sagrado dentro de toda a vida, veremos que a vida vai-nos falar como falou aos nossos antepassados. Um véu será levantado e este conhecimento inato estará presente novamente. Esta é a antiga sabedoria da própria Terra, a Terra que evoluiu e mudou ao longo de milénios, cuja sabedoria precisamos desesperadamente no tempo presente, se quisermos evitar um ainda maior desastre ecológico. Novamente citando Thomas Berry:
Não precisamos de uma resposta humana a um problema da Terra, mas uma resposta da Terra a um problema de Terra. A Terra vai resolver os seus problemas e, possivelmente os nossos, se deixarmos a Terra funcionar nos seus próprios modos e caminhos de funcionamento. Precisamos apenas de ouvir o que a terra nos está a dizer.
Nós ainda carregamos esta relação primal com a Terra dentro da nossa consciência, mesmo que a tenhamos esquecido há muito tempo. É um reconhecimento primal da maravilha, da beleza e da natureza divina da Terra. É uma reverência sentida por tudo o que existe. Uma vez que trouxermos essa qualidade fundamental para a nossa consciência, seremos capazes de responder à nossa presente crise criada pela humanidade a partir de um lugar de equilíbrio, em que nossas acções serão baseadas numa atitude de respeito para com toda a vida. Esta é a natureza da sustentabilidade real.
* O artigo foi originalmente publicado no Huffington Post, 22 de abril de 2013. Podem também encontrá-lo aqui em inglês"
retirado de heart wide earth
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