Comunicação com os javalis

 Queridos javalis, 


Sinto-me exausta.

Exausta do que sinto ser uma guerra e que eu sei que guerra não é.

Mas é muito triste chegar todos os dias de manhã à horta e encontrar canteiros remexidos de tal forma que as plantas morrem por ter as raízes expostas.

Não interessa se a noite é calma ou de tempestade, vocês vêm para se alimentar.

Eu entendo, mas a destruição do jardim é de partir o coração.

Não tenho forças para arranjar tudo uma outra e outra e outra vez.

Como podemos viver juntos?

Como vos posso apoiar?


Não compreendemos, este é o nosso modo de vida. De um lado para o outro, para nos alimentarmos.

Alimentar as nossas crias, andar com elas de um lado para o outro. Não somos domesticados. Procuramos o alimento.

Fugimos de caçadores.

Dói-nos muito porque para nós parece uma guerra também, por vezes.


Uma guerra que não o é.

Em dois lados que parecem ser vítimas.

Em dois lados que parecem ser os que caçam.

Não é uma guerra.

É uma co-habitação.

É assim a Natureza.

Tem de haver aceitação da parte dos humanos e nós, javalis, temos também um corpo de dor.

A dor dos caçados, dos mortos, dos matados e sofridos.

Nos somos assim, caçadores e ao mesmo tempo os humanos insistem em nos caçar.





Compreendo e sinto a vossa dor.

E tenho aceite durante todos os dias desta semana, mas hoje partiu-me o coração ver alguns canteiros todos remexidos.

Porque não ficam na vossa exploração alimentar no outro lado do riacho?

Eu faço-vos ofertas no vosso altar; tenho de o melhorar, honrar este relacionamento ao honrar aquele local que marca o amor entre dois será diferentes e que são tão iguais em tantas coisas.

Eu passo a oferecer-vos dos nossos alimentos, em amor.

Colocarei no vosso altar.

Peço desculpa por este relacionamento tão parcial e desregulado entre humanos e javalis. Eu amo-vos mesmo! Disso não há questão!

Sinto que vocês me estão a pedir uma taça com água também.

Assim o farei.


Obrigada por estarem aqui e existirem e ensinarem tanto.

Obrigada pelo vosso remexer do solo como um mini tractor.

Obrigada por respeitarem o espaço da horta.

Obrigada.

Eu farei a minha parte.


Lembro-me que da última vez que interagi convosco, vocês falavam da importância de vos conhecer biologicamente, de como agem no vosso dia a dia. E sinto agora a importância desse conhecimento. Tratar das fundações, com pujança e um poder interno e físico brutal. Responder de forma astuta e rápida. Nem tudo tem de ser visto na altura, mas aparecerá quando assim tem de ser. Revelações do que está escondido, de raízes profundas que minam o solo, as fundações. Senso de comunidade, de protecção, de agir em circulo comunitário e familiar aquando um ataque. Há uma hierarquia que é importante. Uma hierarquia natural, com diferença de género e de estrutura corporal, que é aceite e que age de uma forma não pensada. Não há hesitação. Há acção, há resposta. Há amor entre os membros da comunidade. Há entrega e protecção. Há comunicação que vai além da voz. Há força familiar. Há movimento físico.


Obrigada pela mensagem queridos javalis.

Agradeço do fundo do coração pela vossa presença.

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